domingo, 18 de novembro de 2007

Bondage...

Domingos são, por natureza, deprimentes.
Os vinte e poucos anos correspondem a uma fase desesperadora da vida.
E final de ano é uma das épocas mais críticas do ano.

Acho que tudo se torna um pouquinho assim porque parece que a gente tá chegando sempre ao fim, as coisas estão passando, a gente vê que não fez nada ainda e que ainda muito mais está lá para ser feito. Dá uma sensação de coisa incompleta, de tudo pela metade e de nada satisfeito.

A fome se torna insaciável, a sede corrói os lábios, resseca a garganta, os membros se movem tão lentamente quanto nos sonhos. A corrida se torna vagarosa, mas a estrada é tão ligeira que nossos pés não acompanham. Tudo passa como as árvores passam pela janela do carro, com o pai dirigindo, nas férias de verão. A gente vê os vultos, as sombras, um borrão estranho e desfocado, mistura de verde com céu e nuvem. Isso quando a gente olha pro lado. Porque, curiosamente, e isso, a Física deve explicar, quando a gente olha pra frente ou pra trás, dá pra ver tudo mais nitidamente, mesmo que isso não signifique uma plena visão. Logo as coisas passam, logo as coisas vão.

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Faz horas que eu paro pra pensar em como a gente vê tudo em partes, a gente divide tudo, classifica, escolhe, ignora. A gente divide o mundo, divide as pessoas, divide o tempo. Eu sempre enxerguei os dias como quadradinhos, enfileiradinhos, pra formar um mês. E cada mês vira um fio compridinho, e, dispostos um do lado do outro, os meses formam os anos. Os anos, enfileirados, seguem na mesma direção que os dias. Já os séculos vão se aglomerando lado a lado, como no caso dos meses. Essa visão dos dias-meses-anos vira quase um calendário na minha cabeça, talvez por culpa do padrão que a humanidade tenha encontrado para dividir seu tempo.

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Uma coisa que muito me intriga é pensar sobre como uma pessoa de 60 anos deve se sentir. Porque provavelmente ela já passou da 'metade' da sua vida. Tipo, eu, com 21 anos, tenho toda a perspectiva (e estatística) do mundo de viver mais 21 anos. 42. Com 42 isso também funciona, pois chegar aos 84 não é algo muito fantástico - no sentido ficcional do termo. Ou seja, por essa lógica, eu ainda posso viver três ou quatro vezes mais a vida que eu vivi até aqui, o que é um plano de vida maravilhoso! Pena que a relatividade jogue contra o nosso time, fazendo questão de nos aprisionar na cadeia do tempo, que, com o tempo, "passa" mais rápido.

O culpado disso tudo é a rotina. Ou ainda melhor, o costume. A falta do que aprender. Quando a gente é novo, tudo é novidade, tudo é aprendizado, tudo é um infinito de segundos. Eu lembro que minhas viagens das férias de verão sempre pareciam durar três meses inteiros! Hoje eu me dou conta de que talvez eles não passassem de trinta dias!

Hoje em dia, tudo o que eu aprendo de novidade provém de coisas que já conheço ou reconheço. Para ler um livro sobre um assunto diferente, eu já conheço praticamente todas as palavras; Para ouvir o som novo de uma banda nova, eu já conheci boa parte dos instrumentos, dos timbres, dos acordes e das palavras que eles utilizam; Para puxar uma conversa com alguém estranho, eu já conheço vários caminhos, várias perguntas e várias respostas. A vida se torna quase óbvia e isso é inevitável!

Um fio puxa outro, que puxa outro, que puxa outro...

No meu livro de matemática da quinta (ou sexta) série tinha algo mais ou menos assim, sobre como uma teoria levava a outra, construindo o conhecimento maior da ciência que é a matemática. Lembro que tinha até o desenho de uns elefantes que seguravam o rabo do outro com suas trombas, formando uma corrente infinita que saía para fora do papel. Quanto mais se vive, mais essa corrente aumenta, e tudo o que fica pra trás se torna peça fundamental pras descobertas de agora. Mas ao mesmo tempo elas contribuem para que nem tudo seja mais tanta novidade assim. Porque se A + B = AB, logo C + D = CD, e isso vai ficando lógico, e não surpreendente, conforme passam os dias.

Dá pra comparar com gotas d'água também. Se a gente visualizar uma singela gota d'água e logo adicionar mais uma, é nítida a noção de que ela dobra de tamanho/volume. Agora imaginem um copo cheio d'água ao qual se acrescenta uma só gota. Que diferença faz? Uma diferença quase imperceptível. Assim é o processo para encher esse copo gota a gota. Quando a primeira gota se juntou à segunda, fez uma enorme diferença. Quando veio a terceira, ainda dava pra ver - e a quarta, e a quinta. Mas na enésima gota, se não fosse por esta atenta observadora, quase não se notaria. Com o copo se enchendo, gota a gota, cada vez mais elas foram ficando menos surpreendentes, menos notáveis, menos perceptíveis. Até alguém abrir a torneira e despejar zilhares de gotas juntas, ao mesmo tempo - aí, sim, temos algo de notável e um provável transbordamento.

O ideal da vida talvez fosse deixar a torneira sempre aberta, buscar sempre muito, buscar sempre mais... sei lá. Quando a vida se transformar num rio, aí, quem sabe, o melhor é procurar por uma cachoeira...

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Eu sinto que a gente tem um jeito de viver bem opressor. A gente tem plena consciência de que todos esses critérios somos nós quem nos colocamos. Porque a gente tem mania de dividir.
A gente vê tudo em partes, a gente classifica, escolhe, ignora. A gente divide o mundo, divide as pessoas, divide o tempo. E a gente divide a vida com preocupações idiotas, tudo porque a gente já dividiu tudo, sem se dar conta de que mesmo dividindo a gente é incapaz de descobrir onde está a metade. Porque a vida não é ciência exata como a matemática. Ela está aí. É o borrão que passa pela janela do lado do carro, com o pai dirigindo, nas férias de verão. Mas a gente se acostuma, porque gosta de se acostumar. A gente escolhe viver assim, porque é mais cômodo, é mais fácil. Seguro mesmo é a rotina. O desconhecido, salvo para as crianças, é assustador. A gente está amarrado, o tempo todo, e prefere viver assim.

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Todo mundo pratica bondage, adora e diz que puta é a vizinha do lado, que em pleno domingo, nos seus vinte e poucos anos, com o final do ano batendo na porta, resolve ir curtir a vida na rua, porque lá fora o céu é infinito.

4 comentários:

Anônimo disse...

Uau. Denso, esse aqui. Vou levar um tempo para digerir...

Eu tenho comigo que o que move as pessoas, de modo geral, é o medo. A gente tem medo de tudo, sabe? De não ser aceito, de que o que a gente quer dê errado, de ir pro inferno, de passar ridículo, de sentir dor, sei lá. De tudo. Daí a gente fica inventando cercas, colocando as coisas em compartimentos que nos permitam achar que temos controle sobre elas. E vamos eliminando o imprevisível na medida que dá, porque imprevisível é algo que não se controla, e o que não se controla dá medo, e a gente não quer ter medo.

Dito assim parece tão idiota...

De qualquer modo, tenho 27 anos, e já me sinto meio "na metade" - 54 anos já bastante tempo, digamos assim. Mas tento não pensar muito nisso - mesmo porque isso mesmo de "com tal idade você tem que ter conseguido tal e tal e tal coisa" é mais uma cerca, mais um jeito de controlar o mundo. E o mundo não é para ter controle.

Obrigado por me fazer pensar tanto numa tarde de segunda feira. Beijo para ti =D

Marcia disse...

sim. excelente. texto para poucos.

Frau Bersch disse...

=~

sem mais.

Pinky disse...

isso tudo porque eu ando em uma época super boa onde mais uma crise existencial nem vai ser sentida... =S